Poupar ou financiar? Pensar é “ligar os pontos”, não se pode decidir entre poupar ou financiar para adquirir o que se deseja sem um pouco de reflexão.
Estrelas e calendários
Há muito anos, nossos antepassados olhavam à noite para o céu.
Ao traçar linhas imaginárias entre os corpos celestes, perceberam que determinados conjuntos estelares formam figuras familiares, as chamadas constelações. Para ilustrar, a constelação de Escorpião é conhecida por séculos e forma o animal peçonhento de mesmo nome.
A partir dessa altura da civilização, apesar de ainda pré-histórica, nossos antepassados perceberam também que, ao contemplar o céu, eram capazes de prever o futuro de modo preciso.
E, desde então, puderam se preparar para enfrentá-lo adequadamente, plantando antes das chuvas e estocando alimentos antes do frio. O registro das “previsões” é o que hoje se conhece como o calendário – ou, do latim, “livro de registro”.
Há antigos calendários baseados nos ciclos lunares, por exemplo, que são utilizados até o presente. Entretanto, o calendário mais popular, usado para os mais diferentes fins, é mesmo o solar, a estrela do nosso sistema, cuja unidade, o ano, representa praticamente uma volta completa da Terra em torno do Sol, ou 365 dias. A diferença, cerca de seis horas, é acumulada até que se complete um dia, acrescentado no ano bissexto.
Gradativamente, além de plantar no tempo certo, as pessoas passaram a planejar toda a vida.
Assim, criou-se um hábito que seria fundamental para o advento do capitalismo: poupar.
Planejamento: poupar ou financiar
Ora, poupar é empregar futuramente os recursos disponíveis para realizar desejos, ou, simplesmente, planejar o futuro.
Por muitas gerações, no sistema capitalista, as famílias poupavam parte da renda para, posteriormente, adquirir bens. Antes, ninguém decidia poupar ou financiar, o crédito era destinado quase que inteiramente aos empreendimentos. Contudo, o crédito destinado ao consumo inverteu, paradoxalmente, essa lógica, dando início a uma nova era econômica do capitalismo, na qual se vive a crédito.
Na nova economia, as famílias disputam a concessão de empréstimos e financiamentos com as empresas.
Isso não é necessariamente ruim. Entretanto, se, de um lado, a inversão da lógica do crédito permitiu que as pessoas antecipassem desejos, do outro, um enorme problema emergiu, de difícil solução.
À medida que as famílias antecipavam desejos, como comprar um carro sem entrada, e todos os outros desejos que não podiam ser realizados sem muitos anos de trabalho, o endividamento cresceu a ponto de criar um outro fenômeno, ainda mais perverso, o superendividamento.
É preciso desbravar essa dicotomia dos tempos atuais. Parafraseando William Shakespeare, entre “poupar ou financiar” há mais coisas do que pode imaginar a ciência.