A obsolescência dirigida, também chamada de obsolescência programada, é bastante comum no mercado de consumo.
Entenda então o que é a obsolescência dirigida e quando há abuso de direito pelos fornecedores, o que prejudica tanto o consumidor quanto o meio ambiente.
O que é obsolescência dirigida?
Para compreender melhor o que é a obsolescência dirigida, é preciso antes entender o ciclo de vida dos produtos.
O Código de Defesa do Consumidor – CDC distingue produtos “não duráveis”, cujo uso é imediato, dos “duráveis”, de uso prolongado.
Assim, produtos não duráveis são aqueles que, quando utilizados, se esvaem, acabam, à medida que são consumidos, como os alimentos.
Ao contrário, produtos duráveis são – ou melhor, deveriam ser – de uso prolongado, como roupas e eletrodomésticos. Na prática, contudo, a fim de impulsionar o consumo, os fornecedores diminuem, não raro, o ciclo de vida dos produtos duráveis.
As roupas, eletrodomésticos, eletrônicos, utensílios domésticos, objetos pessoais, enfim, todo e qualquer produto parece durar menos do que deveria.
A obsolescência aumenta o consumo, o que se reflete em uma vida mais confortável. Porém, consequentemente, multiplica o endividamento familiar, sobretudo diante da vida a crédito.
Em 2017, mais de 60 milhões de brasileiros encerram o ano com o nome negativado.
Aliás, segundo Gilles Lipovetsky (A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo, Companhia das Letras, 2007), a obsolescência é uma prática comum desde os anos de 1950, e surgiu em conjunto com o crédito e o início da “febre” dos consumidores pela busca dos objetos.
Mas, na fase atual do consumo, a fase do “hiperconsumo”, a longevidade dos produtos duráveis tornou-se ainda menor.
O emblema da geladeira
A geladeira é, notadamente, um bem de consumo durável, bem popular para o resfriamento de alimentos e bebidas. E o ciclo de vida desse eletrodoméstico costumava ser de cerca de 15 anos. O que é um tempo razoável, se comparado ao carro, para ilustrar, que não funciona ininterruptamente.
Até a década de 1990, pelo menos, uma geladeira permanecia invisível na cozinha dos lares. Se houvesse a necessidade de reparos, peças eram facilmente substituídas para que continuasse funcionando.
A lógica do uso das geladeiras até 1990, que parecia óbvia para qualquer família, além de funcional, sucumbiu, todavia.
No lugar da geladeira útil e duradoura, emergiu um novo eletrodoméstico, de vida curta.
Inicialmente, as antigas geladeiras foram trocadas por novos modelos sem clorofluorcarbono – CFC, que não agridem a camada de ozônio. Aos poucos, para combinar com o design da cozinha, lançaram edições enormes de aço inoxidável.
E quem imaginava que as inovações chegariam ao fim, após o aumento das proporções, se enganou. Vieram depois as prateleiras móveis, as funções frost free e inverse.
Até a porta da geladeira ganhou destaque. No lugar dos ímãs, o espaço passou a ser ocupado por dispositivos que servem água gelada e gelo. Hoje, há até um painel de LCD com microprocessador e Wi-Fi.
Desde então, geladeiras são capazes de enviar e receber informações, criar estatísticas, controlar da melhor maneira possível o consumo de energia, e assim por diante.
Por fim, a complexidade da geladeira da Internet das Coisas – IoT (do inglês, Internet of Things) fechou as antigas lojas de reparos. Eventualmente, quando uma das peças eletrônicas se quebra, o conserto é inviável, e a geladeira é descartada no lixo, gerando, talvez, um impacto no meio ambiente muito maior do que o próprio uso do CFC pelos modelos obsoletos.
A prática abusiva de obsolescência dirigida da Apple
Em 2017, a Apple admitiu reduzir de propósito a velocidade dos seus smartphones mais antigos.
A prática pós-contratual da Apple pode ser considerada claramente como abusiva. A medida atrapalha o uso pleno do produto adquirido pelo consumidor e o impele a adquirir dessa forma um novo aparelho, ainda que já possua um em perfeito estado.
Ora, o ciclo de vida do produto foi limitado artificialmente pelo fornecedor, sem prévia informação, o que caracteriza o uso irregular do direito, causando danos ao consumidor, independentemente até da compra de um outro modelo.
Muito embora não haja expressamente no CDC a coibição da obsolescência dirigida, trata-se ainda assim de prática abusiva, nessa hipótese, nos termos do artigo 39 do código, de modo que o consumidor pode buscar a reparação pelos prejuízos.
Obsolescência dirigida nem sempre é prática abusiva
O grande problema é que, quase sempre, a obsolescência dos produtos é causada sem abuso de direito, mas pelo consumo irrefletido. Como no exemplo emblemático da geladeira, no qual se cria novas necessidades, antes inimagináveis, através da inovação ou do marketing.
Por isso, o consumo carece de maior racionalidade. Antes de adquirir qualquer produto ou serviço, reflita sempre: É bom? É certo? É útil?
Faça também uma consideração do que comprou ultimamente. Se a resposta for “não” para uma ou mais perguntas, está consumindo de forma errada.