Entre a ficção e a realidade: o fim do dinheiro físico no Brasil

A ficção científica do século XIX anteviu o surgimento do transplante de órgãos humanos, somente realizado no século seguinte. De modo semelhante, William Gibson, nos anos 1980, antecipou na literatura o fim do dinheiro físico.

Dinheiro físicoA proibição legal da circulação de cédulas e moedas não deve tardar. Em um futuro próximo, somente se verá cédulas e moedas em museus. Pouco a pouco, o dinheiro físico será completamente substituído pelo dinheiro eletrônico. Diversas economias colocaram em pauta o assunto, até mesmo o Brasil.

Uma breve história do dinheiro

O dinheiro é um meio de pagamento. Ao longo da história, se estabeleceu como unidade para a troca de bens e serviços entre as pessoas. A partir da revolução industrial, o dinheiro tornou-se fundamental para a sociedade, substituindo o escambo, que limitava a economia.

A princípio, diversas mercadorias foram adotadas como moeda, a fim de representar o dinheiro. É o caso do sal e do gado que, em geral, são úteis a todos. A mercadoria moeda criou termos e expressões utilizadas até o presente, como salário e pecuniário. Mas, diante da falta de unidade qualitativa e da perecibilidade, foram substituídas em importância pelos metais preciosos, como o ouro e a prata.

Por questões de segurança, os metais preciosos eram depositados em casas especializadas. O possuidor recebia, em troca, certificados de depósitos, a moeda-papel, que circulava livremente na economia. As casas especializadas em depósitos confeccionavam também certificados em proveito próprio, com o intuito de auferir mais lucros, independentemente de lastro.

Ouro

No século XVII, os bancos comerciais privados começaram a despontar. As instituições lançavam no mercado notas ou recibos bancários para circular como moeda, o que equivale ao atual papel-moeda. Em seguida, enfim, o Estado monopolizou a emissão de moedas. E, desde a década de 1920, não existe mais lastro em ouro (padrão-ouro) ou outro metal.

No Brasil, há três tipos de moedas: moedas metálicas, utilizadas pelo público em operações de pequeno valor ou como unidade monetária fracionada; papel-moeda, que representa parcela significativa da quantidade de dinheiro em poder do público, e; moeda escritural ou bancária, os depósitos à vista nos bancos comerciais.

A moeda metálica e o papel-moeda são chamados de dinheiro sonante, manual ou dinheiro físico.

O fim do dinheiro físico na ficção científica

A ficção científica é fonte prolífica para a discussão dos efeitos provocados pela tecnologia na sociedade e para a especulação das convulsões sociais que ainda serão provocadas pela tecnologia.

O gênero se originou notoriamente nos trabalhos de Mary Shelley e de Robert Louis Stevenson, publicados no século XIX. Tanto a criatura de Frankenstein, personagem de Shelley, quanto a face má da personalidade de Henry Jekyll, Edward Hyde, criada por Stevenson, são frutos da especulação do avanço tecnológico. Ambos foram imaginados muito antes, por exemplo, dos transplantes de órgãos humanos ou da venda dos psicotrópicos em farmácias.

Cartão de crédito

Na ficção de William Gibson, dominada pela cibernética, há claras referências ao declínio do dinheiro físico, sempre relacionado a ilícitos. Ao observar o avanço da sociedade da informação, tanto quanto do dinheiro eletrônico, percebe-se que esse cenário explorado pelo escritor, na década de 1980, em que o dinheiro físico se tornou ilegal, não é mais um futuro tão distante assim. Aliás, o fim do dinheiro físico tornou-se uma necessidade do Estado, das empresas e da população.

O fim do dinheiro físico no Brasil

No Brasil, o Projeto de Lei nº 48/2015 pretende extinguir a produção, circulação e uso do dinheiro físico.

Conforme a proposta, todas as transações financeiras serão realizadas em meio digital, em cinco anos a contar da aprovação. O projeto que está em tramitação é justificado pela inevitabilidade de se extinguir o dinheiro físico.

Não obstante as patentes vantagens, bem como a oportunidade de novos negócios criada pela sociedade da informação, não existia à época da proposição nenhuma política pública específica em curso para aumentar a circulação do dinheiro eletrônico e, inversamente, diminuir o uso da moeda manual.

Logo, a implantação, somente por meio da lei, parece absolutamente irreal no País.

As raras iniciativas partem das próprias instituições financeiras, ao lado de startups, as chamadas fintechs, oferecendo soluções de pagamento em meio digital, que não lidam necessariamente com a conta-corrente, sobretudo a partir das oportunidades geradas pelo comércio eletrônico.

Além disso, a tecnologia blockchain e o crescente mercado de criptomoedas, como o Bitcoin, desafiam não só o dinheiro físico, como também o controle dos Estados e das instituições financeiras sobre, respectivamente, as políticas monetárias e a intermediação financeira.

Todavia, as moedas criptográficas não são ainda, efetivamente, meios de pagamento no Brasil.

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