Rui Barbosa foi, sem dúvida alguma, uma das maiores personalidades brasileiras. Incansável ao defender o ideário abolicionista e um dos principais arquitetos da República, se desencantou, todavia, com a política brasileira.
Em 1889, Rui tornou-se Ministro da Fazenda, após a proclamação da República. E a partir de então, denunciou o que apelidou de “Estado multimâmico”, que serve ao interesse de alguns poucos privilegiados.
Depois de quase 130 anos (neste ano a República completará 130 anos), Onyx Lorenzoni afirmou que o Governo pretende cortar mais 25 mil cargos em comissão. A medida vai ao encontro à que extinguiu outros 21 mil nos últimos 200 dias. O corte se limita ao Poder Executivo, haja vista que os demais poderes administram a própria organização.
Estado “multimâmico”
José Murilo de Carvalho resgatou o trecho de uma conferência escrita por Rui Barbosa sobre o peso do clientelismo:
Eram os empregos inúteis e ociosos, as sinecuras de todas as espécies, os farnientes de todas as marcas, as folhas de encostados, os gabinetes dos ministros, as invenções de consulados, as ajudas de custo, as comissões de passeio com vencimentos em ouro no estrangeiro, as concessões, contratos, empreitadas, tarefas, licenças, acumulações, isenções e mercês de toda a ordem […]. Numa palavra, eram as mil tetas, os ubres, maiores ou menores, ressumantes de grosso leite em eterna apojadura, desse animal multimâmico, a que ora se chama nação, ora administração, ora fazenda, orçamento, ou erário, e de cujos peitos se dependuram, aos milhares, as crias vorazes na mamadura, mamões e mamadores para cuja gana insaciável não há desmame.
Enquanto o Estado hobbesiano, o Leviatã, aniquila o cidadão pelo medo e excesso de poder; o Estado multimâmico de Rui Barbosa nos revela a face finalística estatal.
Os pidões
De 1889 a 1890, durante 14 meses, quando foi ministro, Rui Barbosa recebeu centenas de correspondências. Cerca de 40% referiam-se a pedidos de favores. Foram 1.145 pedidos, apesar de que poucos brasileiros sabiam escrever no século XIX.
Os pidões eram caçadores de serviço público e de outros favores estatais. Entre os pidões figura até o marechal Floriano Peixoto, embora tenha entrado para a história como sinônimo de austeridade. Floriano fez tantos pedidos que, ao agradecer um dos pleitos, não se lembrava mais de tê-lo feito: “são muitos os meus pedidos por isso não me recordo ter intercedido a favor desse”.
Da família do primeiro presidente, marechal Deodoro, foram 74 cartas. Mas, além dos colegas de governo, engrossava a lista de pidões funcionários públicos, militares, civis, como Benjamin Constant, políticos, republicanos históricos e exaltados, escritores, professores, parentes, colegas de faculdade e correligionários.
130 anos depois da República de Rui Barbosa…
Rui Barbosa reagiu. À época, queixou-se em relatórios que o sistema vigente consiste em “encher as repartições de pessoal nem sempre idôneo, mas sempre excessivo e, consequentemente, mal remunerado”.
Pelo lado positivo, cita José Murilo de Carvalho, Rui Barbosa diz ter autorizado o funcionamento do Banco dos Funcionários Públicos, de ter criado o Montepio dos Empregados do Ministério da Fazenda, de ter reformulado a legislação sobre concursos e de ter introduzido um plano de reforma do Ministério para reduzir pessoal, aumentar salários e acelerar o serviço.
Não obstante, de lá pra cá, o furor da “gana insaciável” do clientelismo não parou.
Segundo o Ministério do Planejamento, apenas institutos e universidades federais reúnem mais de 37 mil desses cargos, de livre nomeação. O número é maior do que a quantidade de funções e gratificações técnicas, 28.666.
Ao mesmo tempo que o presidente sinaliza a necessidade de nomeação por concurso, ou pelo menos de justificá-las pelo interesse público, com, por exemplo, a exigência de comprovação de “ficha limpa” e formação acadêmica, anuncia também a vontade de indicar o próprio filho como embaixador.
No Brasil, cargos de confiança custam 3,5 bilhões por mês. E o país tem mais cargos comissionados no Executivo do que a soma de Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido.
O peso do clientelismo pressiona os tributos e a capacidade de investimentos do Estado.