Filas no caixa e gamificação da relação com o cliente

Geralmente, restaurantes e lanchonetes estão sempre abarrotados de clientes nas filas durante o almoço, com a exceção de um.

Sem filas no caixa
Restaurante sem filas?

Talvez os empregados, e até mesmo os proprietários, não tenham percebido como as filas desse restaurante ficaram mais curtas ultimamente. Ou talvez saibam o porquê: a “gamificação” da relação com o cliente no caixa.

O restaurante sem filas é imaginário, no entanto poderia muito bem existir também no mundo real, se já não existe.

Filas no caixa

Filas no caixa afastam a clientela, não há dúvida. Principalmente durante o horário de almoço, no “apertado” intervalo do trabalho.

É comum que mais funcionários sejam então deslocados para o caixa durante os horários mais movimentados, para evitar as filas.

Contudo o deslocamento dos funcionários compromete a qualidade do atendimento ou – o que é ainda pior – diminui o lucro.

Nesse sentido, a gamificação é uma solução para o problema da fila, e para muitos outros, sem criar muitos custos, ou nenhum.

O mercado de consumo está se reorganizando em torno dos elementos dos videogames, como a diversão.

As filas apenas ilustram a mais recente transformação do consumo, que surgiu a partir dos videogames.

O que é gamificação?

Mas, afinal, o que é “gamificação” ou, do inglês, gamification?

Gamificação é um procedimento que aplica elementos gráficos e técnicas próprias dos videogames a situações diversas dos videogames.

E por que alguém utilizaria elementos gráficos e técnicas dos videogames nas filas do caixa do restaurante, por exemplo?

A resposta a essa pergunta é mais simples do que a definição de gamificação. Os jogos eletrônicos, como o famoso jogo soviético Tetris, são recompensadores, e podem encorajar o jogador a adotar determinado comportamento.

Tetris

Além disso, os videogames ultrapassaram a “mera” diversão. Em Dota 2, competidores profissionais disputam um prêmio milionário todos os anos, maior até do que a premiação da Libertadores.

A gamificação já tem inúmeras aplicações no cotidiano, embora não seja tão fácil percebê-las.

Em 2010, uma apresentação de Jesse Schell viralizou na Internet. Nela, o professor universitário, e criador de videogames, desenvolve a “escova de dentes” que faz pontos (se preferir, avance o vídeo até o minuto 20:08), para ilustrar os iminentes jogos em rede, como os jogos do Facebook:

Ora, quem pode se interessar por uma “escova de dentes” que faz pontos? Praticamente todos, literalmente. Consumidores ávidos por mostrar que são os maiores “escovadores de dentes” e, claro, fornecedores de escova, fio dental e pasta de dente.

Schell demonstrou que, há vários anos, um mercado inesperadamente se multiplicou, um mercado muito diferente do mercado de varejo comum, com muitos outros truques psicológicos para aguçar o consumo, o mercado de jogos em rede.

Não demorou muito para que a lógica do mercado de jogos em rede, já consolidado como um mercado bilionário, se expandisse para todo o mercado de consumo, dentro e fora dos limites do ciberespaço, deixando de lado a antiga “fantasia” dos jogos para abraçar a “realidade”.

Tempo e videogames

Nem sempre a gamificação envolve os elementos eletrônicos dos videogames.

O tempo é um elemento não eletrônico que, paradoxalmente, envolve todos os jogos eletrônicos. O tempo é, aliás, um elemento fundamental para o sucesso financeiro dos jogos.

Atualmente, a maior parte dos jogos é gratuita, vale dizer, free-to-play. Em Pokémon GO!, que virou mania em 2016, jogadores colecionam “monstros”, ou “pokémons”, vencem outros jogadores, demarcam territórios para um time e sobem de nível, tudo através de um sistema que integra o celular com GPS e serviço de internet à realidade aumentada que o jogo proporciona com a câmera do aparelho.

Apesar de ser gratuito, os jogadores de Pokémon GO! compram moedas virtuais, as “PokéCoins”, com as quais se adquire determinados itens no jogo, a fim de capturar ou armazenar mais pokémons e subir mais rapidamente de nível.

A princípio, o jogador não tem razões para adquirir moedas virtuais com o dinheiro real, uma vez que as moedas virtuais são acumuladas durante a experiência do próprio jogo. Porém aqui entra o paradoxal elemento “tempo” dos jogos.

Pokémon GO!

As pessoas investem tempo para jogar, e o jogo adquire desse modo um valor para o jogador, porque há um investimento de um ativo, o tempo. Logo, o jogador gasta tempo em troca de outros ativos, que existem apenas no mundo virtual, mas que podem ser mensurados e comparados aos ativos dos demais jogadores, que são pessoas reais, e que competem entre eles.

De repente, comprar moedas virtuais se torna extremamente vantajoso. Por alguns poucos reais, o jogador ultrapassará um concorrente, o que não aconteceria sem antes dedicar muitas horas ao jogo. E a compra abre um novo ciclo de competitividade, em que todos que desejam se destacar devem adquirir mais e mais moedas virtuais.

Filas de caixa e gamificação

Pokémon GO! poderia ser, ainda hoje, um videogame tão popular quanto foi em seu lançamento. Em 2016, os jogadores achavam que o tempo dedicado ao jogo era bem empregado.

Algo aconteceu para que a maioria dos jogadores deixasse de jogar Pokémon GO!, todavia. O tempo dedicado ao jogo passou então a não ser bem empregado, na percepção de 96% dos jogadores.

Da mesma maneira é que a percepção dos clientes nas filas do caixa funciona. Entre um atendimento e outro, o tempo é gasto por formas de pagamento morosas, cada vez mais distantes da altíssima frequência da vida moderna, e, nos Estados em que há benefícios fiscais para a emissão da nota fiscal, com a soletração de números.

Tudo isso custa “tempo”, lembre-se, um importante ativo, que tornou o “agora” mais importante do que o “futuro”.

E se, em vez de soletrar números, os clientes usassem um sensor de fidelidade para emitir a nota fiscal? Ou se, em vez de um cartão, o cliente simplesmente depositasse a nota fiscal para uma instituição de caridade? O troco também, em vez de aguardar e conferi-lo, fosse depositado em prol de uma causa social? E se a adoção de uma solução inovadora de micropagamento fosse segura, prática e “lúdica”, como uma pulseira?

Em todas essas situações, muitas já existentes, observa-se diferentes elementos dos videogames, além do tempo, como classificação, sistema de pontos, recompensas e diversão. Nem todos são eletrônicos, mas poderiam funcionar, mesmo isoladamente, para pôr fim às filas dos caixas, e não somente para vender escovas de dente, passar mais tempo no Facebook ou comprar moedas virtuais.

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